O meu primeiro Caminho de Santiago sozinha (mas nunca só)

Aqui fica o relato que fui partilhando durante o meu primeiro Caminho de Santiago sozinha. Está nu e cru, tal como o partilhei em junho de 2023, com muito entusiasmo, cansaço e dores no joelho à mistura, mas é verdadeiro e do coração.

Credencial do Caminho de Finisterra e Muxía, a melhor tortilha de Santiago no Bar de La Tita
Credencial do Caminho de Finisterra e Muxía, a melhor tortilha de Santiago no Bar de La Tita

Primeiro dia de Caminho Santiago-Finisterra-Muxía

Os Caminhos de Santiago sempre me cativaram. Sempre disse que o Português Central que fiz com o Pedro não seria o meu último caminho. Só não sabia que o seguinte que faria seria sozinha.

O porquê de ser sozinha? Porque sempre quis ter a experiência de viajar sozinha, de me expor ao desconhecido sem o apoio de ninguém. Porque sozinha estamos muito mais disponíveis para falar com as pessoas, de verdadeiramente as conhecer. E também porque acredito que viajar sozinha, nestes moldes, é uma excelente oportunidade para refletir e para melhor nos conhecermos.

Depois de tomada a decisão de fazer o caminho sozinha e de escolher qual o caminho que iria fazer (escolhi o de Santiago-Finisterra-Muxía), vieram à tona alguns medos. Não é dos caminhos mais percorridos… É feito maioritariamente por zonas de bosque ou muito rurais… O medo de ser mulher e de caminhar sozinha foi algo que me preocupou durante uns dias mas que não me impediu de vir.

Vim e vim sem medos na mochila.

Neste primeiro dia de caminhada estive a grande maioria do tempo sozinha, sem peregrinos à vista mas com confiança e leveza na alma. Tive um percalço que me ensinou uma lição: seguir sempre o caminho sinalizado pelas setas amarelas e ignorar as aplicações do Caminho de Santiago e o que as pessoas dizem. Andei perdida e sozinha no meio de um bosque. Desenrasquei-me e lá encontrei a estrada correta e segui caminho, contudo confesso que senti medo. No final do dia, ficou uma bela história para contar que já repeti várias vezes no albergue. Após uma cerveja fresca e um banho quente tudo fica mais leve.

Quanto às pessoas com que me tenho cruzado e com as quais tenho conversado, tenho aprendido muito e me divertido ainda mais.

Por todas estas experiências e apesar de ser ainda o primeiro dia, já consigo dizer que valeu a pena vir sozinha. Amanhã rumo a O Logoso, final da segunda etapa do caminho.

P.S. Tenho mesmo que agradecer a todas as pessoas (que são menos que os dedos de uma mão) que me deram imensa força para fazer este caminho sozinha. Vocês são especiais.

Rua das Hortas, a rua onde começa o Caminho de Finisterra e Muxía, partindo da Catedral de Santiago de Compostela
Rua das Hortas, a rua onde começa o Caminho de Finisterra e Muxía, partindo da Catedral de Santiago de Compostela
Pormenor do Caminho (onde na verdade andei “perdida”)
Pormenor do Caminho (onde na verdade andei “perdida”)
Pormenor da primeira etapa do Caminho, já depois de Negreira e antes de A Pena
Pormenor da primeira etapa do Caminho, já depois de Negreira e antes de A Pena
O merecido almoço após os primeiros 30 km, no café ao lado do Albergue de peregrinos Rectoral San Mamede de A Pena (adorei este albergue)
O merecido almoço após os primeiros 30 km, no café ao lado do Albergue de peregrinos Rectoral San Mamede de A Pena (adorei este albergue)

Segundo dia de Caminho Santiago-Finisterra-Muxía

Este segundo dia foi duro. Não pela dificuldade em si do percurso mas por estar imenso calor e por esta parte do caminho quase não ter sombras. É também uma etapa um pouco mais “chata” por ser feita muito em estrada. Mas é assim, tal como na vida, no caminho nem todos os dias são maravilhosos.

Vim de A Peña até O Logoso, novamente cerca de 30 km. Saí às 8h da manhã do albergue (tarde para peregrino) e por isso fui-me cruzando com poucos peregrinos (e por coincidência quase todos sozinhos). O tempo passa mais devagar, é certo, mas faz parte da aprendizagem de viver o caminho.

Amanhã rumo ao Fim do Mundo!

Pormenor da segunda etapa, num dia de muito sol, sem sombras à vista
Pormenor da segunda etapa, num dia de muito sol, sem sombras à vista
Marco do Caminho
Marco do Caminho – este caminho está muito bem sinalizado
Caminho de terra batida, numa etapa que peca pelo excesso de estradas de alcatrão
Caminho de terra batida, numa etapa que peca pelo excesso de estradas de alcatrão

Terceiro dia de Caminho Santiago-Finisterra-Muxía

Estava com altas expectativas para o Caminho de hoje. Será que se concretizaram?

De O Logoso até Os Camiños Chans são cerca de 15 km, quase sempre por caminhos florestais. Durante a primeira hora e meia do caminho não vi um único peregrino a seguir a minha rota. Confesso que me questionei onde raio é que eles se tinham metido… Não achei o caminho muito interessante até aqui e a descida até Os Camiños Chans foi penosa (desce abruptamente dos 300 metros para o nível do mar)!

Passei pela localidade de Cee (bonita mas… ia com demasiadas expectativas e não achei nada de especial). Ia já extremamente cansada, só procurava um sítio onde pudesse comer, beber e descansar antes de seguir viagem. Parei no primeiro café que vi e fui presenteada com um bocadillo de frango frito, camembert e flores comestíveis (desta não estava à espera!). Almoço feito e energias renovadas para seguir caminho.

Entrei na pequena vila marítima de Corcubión e aí sim, comecei a adorar o caminho. A vila é um encanto! O caminho a partir daí passa por caminhos florestais estreitos e lindíssimos e por praias desertas que me encantaram. Foram vários os desvios que fiz para ver esta lindíssima costa.

Seguindo por mais caminhos florestais, avistei a bonita praia de Talón e por fim a grande praia da Langosteira. Fiz mais um desvio do caminho e fui mesmo pela praia. Dizem que a tradição é queimar a roupa em Finisterra e tomar banho no mar sem a mesma. Eu como não sou de cumprir tradições, não queimei nada e mergulhei no mar de roupa interior. Soube-me pela vida! P.S. Não queimes nada por favor. Quanto a nadar nu, tu lá sabes!

Agora cheguei a Finisterra, terra que, tirando a praia, ainda não me conquistou.

Se gostei da etapa de hoje? Sim, das mais bonitas que fiz! (Fiquei a odiar a descida antes de Os Camiños Chans mas isso são outras histórias). Na verdade, o Caminho hoje ainda não terminou… Só termina no farol de Finisterra e são mais 3.5 km para lá chegar (e mais 3.5 km para voltar). Vou tentar ir até lá, ver como está o meu joelho depois do descanso e perceber também se aguento o dia de amanhã ou não. Trinta quilómetros por dia com mochila às costas… É dose!

Os marcos que sinalizam a divisão do Caminho (para a esquerda é Finisterra, para a direita é Muxía)
Os marcos que sinalizam a divisão do Caminho (para a esquerda é Finisterra, para a direita é Muxía)
O bocadillo de frango frito com flores comestíveis e a pausa que me fez recuperar energias para os últimos 15 km
O bocadillo de frango frito com flores comestíveis e a pausa que me fez recuperar energias para os últimos 15 km
O centro histórico de Corcubión
O centro histórico de Corcubión
A bonita praia de Talón
A bonita praia de Talón
O ritual de purificação, isto é, dar um mergulho no mar, na Praia da Langosteira, mesmo antes de chegar a Finisterra
O ritual de purificação, isto é, dar um mergulho no mar, na Praia da Langosteira, mesmo antes de chegar a Finisterra

Quarto e último dia de Caminho Santiago-Finisterra-Muxía

Ontem ao final do dia alcancei o “fim da terra”, o quilómetro zero deste e de todos os outros caminhos, no farol de Finisterra. Se o momento foi importante? Foi. Se foi o ponto alto do meu caminho? Não foi. Verdadeiramente gostei mais do caminho do que da chegada. 

E, na verdade, como o caminho nunca acaba, continuei hoje até Muxía. Terra também cheia de simbolismo para os peregrinos e curiosamente, lugar onde também há um quilómetro zero. Isto porque este caminho pode ser terminado em ambos os locais, Finisterra ou Muxía. Eu optei por terminar em Muxía para aproveitar as paisagens da terceira etapa até Finisterra (que são realmente lindíssimas) e que de outra forma não teria visto. 

E então quanto ao dia de hoje? Foi o dia mais duro da minha caminhada. As previsões eram de chuva todo o dia e o meu joelho não estava a 100%. A somar a isto, tive algum receio por saber que o número de peregrinos a percorrer esta etapa seria muito reduzido (a maioria vai direto a Finisterra e termina lá a sua jornada). Mas, mais uma vez e tal como também o caminho me ensinou, decidi ir, sem dar ouvidos aos meus medos.

Foi, de facto, um caminho muito isolado. Quase sempre por bosques ou caminhos rurais. Apanhei com chuva ininterrupta durante as primeiras 4 horas do percurso e vi o primeiro peregrino depois de 3 horas de caminhada. Mesmo assim, aproveitei a primeira metade do caminho, permitindo-me experienciar situações que não tinha experienciado nos outros dias.

O primeiro peregrino com que me cruzei foi um francês reformado, a fazer o caminho em memória da esposa que já cá não está. Tinha tudo para ser uma conversa interessante não fosse o facto de ele só falar e só perceber francês… Eu portunhol até arranho bem, agora fran…. bem, vocês perceberam, isso não.

Depois de uma paragem em Lires, a meio do caminho, a chuva deu tréguas (também mais encharcada era impossível estar) e continuei a minha jornada. Confesso que foi dolorosa a descida final até Muxía. Foi aí que recomecei a ter dores no joelho e tive de ser criativa a encontrar formas de caminhar sem dor (ora seja a “descer ao para trás”, ora conjugar perfeitamente o passo em frente com a pressão do cajado no chão). Demorei mais que o previsto e eu, que caminho rápido, vi-me a ser ultrapassada pelos poucos peregrinos que faziam esta etapa neste sentido. A 500 metros do Santuário da Virxe da Barca (quilómetro zero deste caminho) vejo o meu Pedro e percorremos juntos o final deste caminho.

A praia de Rostro ao fundo, num dia muito encoberto
A praia de Rostro ao fundo, num dia muito encoberto
Mais uma pausa para tortilha, em Lires (o único local com “civilização” (sítio para comer e pernoitar) entre Finisterra e Muxía
Mais uma pausa para tortilha, em Lires (o único local com “civilização” (sítio para comer e pernoitar) entre Finisterra e Muxía
A beleza do Caminho, mesmo num dia de muita chuva
A beleza do Caminho, mesmo num dia de muita chuva
A chegada ao Santuário da Virxe da Barca, em Muxía, e o devido festejo
A chegada ao Santuário da Virxe da Barca, em Muxía, e o devido festejo

Espero que tenhas gostado de me ler, nesta partilha sincera e crua do meu primeiro Caminho de Santiago sozinha.

Se gostaste, tens algum comentário ou dúvida que queres ver esclarecida, estás à vontade para comentar na caixa de comentários (ou por email ou via redes sociais). Está planeado um artigo com a minha reflexão sobre este primeiro Caminho de Santiago a solo. Se gostavas de ver mais artigos sobre o Caminho de Santiago Finisterra e Muxía em específico, sente-te à vontade para comentar. Para um relato sonoro e com parvoíce à mistura, passa pelos highlights das stories do nosso instagram.

Para mais artigos sobre os Caminhos de Santiago, não percas:

Bom Caminho,

Raquel

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Fica a saber como são processados os dados dos comentários.